No mês passado, 90 motoristas e cobradores de ônibus passaram por uma experiência inusitada. Após assistir a uma palestra, assumiram o guidão de bicicletas. A ideia é que esse primeiro grupo reverbere as orientações de convívio pacífico entre veículos e ciclistas para outros colegas. É uma tarefa árdua: existem 60000 profissionais de transporte na rede municipal. Daqui a 90 dias, o grupo volta a se encontrar para trocar experiências. Apesar de louvável, essa iniciativa é apenas um pequeno passo na direção do objetivo.
Em pouco mais de cinco dias um ciclista é vítima de acidente no trânsito de São Paulo. Em um ano como 2008, significa que 69 pessoas perderam a vida ao usar a bicicleta como meio de transporte. Não é pouco, mas é o menor número nos últimos quatro anos - foram 93 mortes em 2005, 84 em 2006 e 83 em 2007. A tendência de queda é quase um paradoxo diante do pobre histórico de políticas públicas colocadas em prática. A prefeitura alega estar fazendo sua parte e projetando novas ciclovias. Pesquisas indicam que a frota atual de bicicletas é de 3 milhões, a maior parte guardada na garagem dos paulistanos.
Já faz três anos que o governo municipal criou um grupo batizado de Pró-Ciclista, reunindo representantes de vários órgãos, incluindo as secretarias de Transportes e do Verde e Meio Ambiente. Na época, segundo a prefeitura, havia 19 km de ciclovias em parques municipais e resquícios nas avenidas Sumaré e Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste. Hoje existem novos 14,8 km construídos em vias como a Radial Leste e outros 16,1 km em obras. A meta é chegar ao fim de 2012 com mais de 100 km de ciclovias e ciclofaixas construídas. Será um salto significativo em relação aos atuais 33,8 km, mas ainda uma gota no oceano da malha viária paulistana, com seus 15000 km de extensão. "A questão é que não há ciclovias para uso cotidiano, apenas para lazer dentro de parques", afirma Ismael Caetano, presidente do Instituto Parada Vital, ONG que visa desenvolver meios de transporte não-poluentes.
Até esses projetos se concretizarem, quem se aventura a trocar o automóvel por uma bicicleta segue essa expressão ao pé da letra. Enfrentar motoristas nem sempre amistosos é apenas um dos problemas. "Vejo o esforço de alguns motoristas em diminuir a velocidade, abrir espaço para eu passar. Mas há muitos trechos em que é simplesmente impossível trafegar e não há outra saída a não ser ir pela calçada", diz a estilista Juliana Páffaro, 31 anos. Sempre que pode, ela pedala de casa, no Alto de Pinheiros, até sua loja, na Vila Madalena, em um trajeto de 3,3 km. Nos fins de semana, costuma ir ao Parque Ibirapuera, a 10 km de distância, e vê a dura realidade da carência de infraestrutura para as bicicletas. "A ciclovia desaparece, surge um ponto de ônibus no meio do caminho. Ou a calçada não é rebaixada", afirma.
Quem usa a bicicleta diariamente como meio de transporte já se acostumou às tensões do itinerário, como o web designer Rodrigo Tammaro Matioli, 30 anos, que pedala entre as avenidas Rebouças e Luís Carlos Berrini, onde fica seu escritório. "Fora a falta de segurança e de estrutura, o grande problema é não ter onde tomar banho nem onde estacionar a bike", diz. Para ele, a solução foi contar com a ajuda do zelador do prédio, que também é ciclista, e usar o chuveiro dos funcionários antes de entrar no escritório.
DO VOLANTE AO GUIDÃO
Se problemas como estacionamento e vestiário dependem de soluções pontuais, a questão da segurança é responsabilidade do poder público e de qualquer pessoa envolvida com o trânsito.